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DILMA BARROZO
Nasci no subúrbio do Rio de Janeiro e fui compondo a minha vida dividida entre os quintais de Campo Grande e as praias de Pedra de Guaratiba, fonte maior de minha inspiração e referência. Como professora da Rede Pública, sempre me preocupei com a formação de leitores, por acreditar que as artes e, em especial, a literatura são indispensáveis ao ser humano na sua busca pelo
conhecimento e aperfeiçoamento.
conhecimento e aperfeiçoamento.
NAS ONDAS DO MAR
Caminhava pelas areias encardidas, bem junto ao mar. Sentia a brisa na pele quente do sol do verão. Seguia sozinha, descalça, em passos lentos e cuidadosos sobre os cascalhos, saboreando o prazer imenso de estar ali. Pedra de Guaratiba! A pedra onde minhas raízes mais profundas estão cravadas! Um pequeno mundo à parte dentro do meu coração e da minha história de vida. Fazia muitos anos que não ia até aquele pedaço da coroinha, onde vivera os momentos mais intensos da minha infância e juventude! Mas a memória vive nos dando rasteiras! Ela é sempre traiçoeira e preserva todos os detalhes intactos para trazê-los à tona um dia, assim, do nada, a seu bel prazer: os guaiamuns que se entocam ao menor ruído, as garças ciscando rente às pedras, os barcos arrastando lá no fundo da baía, as gaivotas dando rasantes no mar atrás dos peixes incautos, o cheiro forte de maresia, as pedras, o lodo, a menina...
Paro extasiada no tempo da memória e, silenciosa e emocionada, ouço com a mais absoluta nitidez a voz de papai.
__ Venha, filha, venha logo, a maré já está começando a subir! Para de olhar pra ontem, vamos aproveitar o vento! Corro em sua direção e, sem vacilar, começo a empurrar a popa enquanto ele, andando mar adentro, com agilidade de quem conhece bem o que está fazendo, pula, rapidamente se senta e escora a canoa com o remo até que eu consiga me equilibrar e sentar no apoio de trás.
Tento remar, mas nunca acerto direito, ele me explica mais uma vez o movimento, que me parece sempre muito simples, mas que nunca consigo imitar. Quando estou no remo, a gente roda, roda e não sai do lugar! Ele acha graça, bate palmas, passa a mão nos meus cabelos e, por fim, me libera daquilo que é uma verdadeira missão impossível. Seguimos entusiasmados entre risos, brincadeiras, respingos da água salgada, histórias repetidas e silêncios programados pra não assustar os cardumes, que ele vai vigiando o tempo inteiro. E ele sempre assoviando: Marina, morena Marina, você se pintou...
Meu pai nunca foi dado a grandes arroubos, mas sua alegria era perceptível dentro da pequena canoa! Ali ele não era a mesma pessoa, aquele senhor engravatado que saía imponente para o trabalho de terno escuro e camisa de linho, muito menos o que informalmente só usava sapatos brancos! Como era possível que aquele homem cheio de formalidades, tão sério se transformasse assim? Ali ele era apenas o devoto de Pedro, o que amava o mar e o conhecia e respeitava profundamente! Um pescador, em toda sua humildade e grandeza! Poderoso na tarrafa, sempre tinha disposição e paciência pra continuar, mesmo quando a maré não estava pra peixe. E naquele dia, definitivamente, não estava! O sol já ia se pondo e nada! Só bagres , que ele sacudia na canoa e eu tratava de lançar de volta ao mar, pegando com cuidado pela cabeça e entre as barbatanas, evitando a terrível ferroada, como ele me havia ensinado. Mas o homem na canoa não desiste e, quando sente a batida na tarrafa, já sabe que é peixe grande! E grita, entusiasmado:
__ Esse é dos bons e não é tainha, minha filha! Aposto que é um robalo! E era mesmo! A prata na rede é o sorriso do pescador e os olhos lançam faíscas, parecendo os de um menino em sua primeira experiência! Nunca, nunca me esquecerei daquele olhar, daquela emoção pelo peixe-troféu que ele ergue triunfante, nem da vibração infantil do homem que pescava sempre tantos e comemorava cada um como se o primeiro ou talvez o último!
Não sei por quanto tempo fiquei ali, em pé, na solidão intensa da praia, olhando o horizonte nem por que entre tantos e tantos outros, me lembrei daquele dia em especial! Fiquei assimilando os tempos idos, envoltos em felizes recordações, saboreando gostos e sensações, sentindo cheiros e emoções, ouvindo vozes preservadas no sal daquele mar, engolindo lágrimas de saudades e sonhando. O que sei e é o que me basta é que ficar ali me trouxe o tempo de volta e ele não veio a cavalo como nos contos de fada, ele veio em ondas serenas, ondas da baía, ondas do mar manso e moreno de Pedra de Guaratiba.
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