EVANDRO ALVES MACIEL
Poeta, graduando em Filosofia pela Faculdade de São Bento, de São Paulo e fotógrafo amador. É autor do livro de poemas “Veneno de Ornitorrinco” (Ed. Patuá, 2016).
Poeta, graduando em Filosofia pela Faculdade de São Bento, de São Paulo e fotógrafo amador. É autor do livro de poemas “Veneno de Ornitorrinco” (Ed. Patuá, 2016).
HERANÇA:
eu era uma máquina-robô
programada para a paz
e armada para a guerra
eu era um porta aviões
pleno de bombas reluzentes
eu era uma lâmpada queimada
produzida para durar eternamente
sem que houvessem inventado a eletricidade.
eu era uma guilhotina
pronta para cortar as cabeças
dos que desesperam por liberdade.
eu era um telescópio lunático
curioso do céu e dos bichos
fixado, porém, nos umbigos dos homens.
eu era um ponto geométrico
conduzindo uma reta sobre um plano inclinado
e meus pés, o labirinto dos tempos.
eu era a cruz dos famintos
erguida em procissão em nome do deus
que criamos em nome dos homens.
eu era a fome dos cruzados
em peregrinação perpétua em nome
dos homens que criaram, para si, um deus.
eu era o projeto de um deus
matematicamente ferido em seu coração
mas logicamente perfeito em sua imagem.
eu era uma cúpula de vidro
guardando os pássaros em gaiolas
e seu alpiste era a esperança negra de uma liberdade torta.
eu era o mel das abelhas
criadas em favos de fel
onde as alegres gargantas empanturravam-se.
eu era o fim de uma era
que era o escuro da noite e era
uma lua sem estrelas.
eu era um nome bastardo
correndo por todos os lados
sujando a batina com sangue coagulado.
eu era um campo de batatas
curtidas sob um sol que não se punha
e minhas mãos eram os espinhos da terra.
eu era o tronco maciço
de um carvalho cravado num poço
tendo como raízes dedos ágeis e móveis.
eu era uma chaga desonesta
nascida nas pontas dos narizes dos homens
tomados da chaga da honestidade.
eu era a promessa dos dias
reconduzindo os espaços a um infinito
mal acabado e cortado de limites.
eu era o cume do morro
preso ao vale prosaico e paraíso
para sempre e sempre e sempre, amém.
eu era o apocalipse tardio
sussurrado nos ouvidos dos crentes
lembrado remotamente na ressaca e na embriaguez.
eu era a sombra do império
sobrada dos mais prudentes excessos
e minha praia era longe, longe.
eu era um cristo curioso
caído na vala aberta
pelos deuses das cidades.
eu era o frio da madrugada
em que se iniciava a jornada travessa
do herói morto nas batalhas de ontem.
eu era a herança paterna
guardada na arca da memória
e esquecida em um sótão empoeirado.
eu era...
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