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A GUILHOTINA

RICARDO ORESTES FORNI
Ricardo Orestes Forni, nascido na cidade de São José do Rio Preto-SP, colabora com vários periódicos espíritas, autor de vários livros no gênero romance, autoajuda e estudos. Iniciou seus estudos da Doutrina Espírita em 1972 ao tomar conhecimento das informações contida no livro Nosso Lar.

A GUILHOTINA

Aquele homem era assaz estranho. Talvez até mesmo um sociopata. Sim, porque vivia mergulhado em uma insensibilidade a toda prova desprovido da mínima emoção. Tão indiferente para com as coisas do mundo que até a própria mãe esquecera numa casa de idosos. Pouco lhe importava se o sol brilhasse no alvorecer após a madrugada ou se o céu de inverno imperasse com suas nuvens plúmbeas. As flores que por acaso despontassem no jardim de sua casa eram despercebidas por ele
que nem mesmo sabia atentar para a existência desse local exibindo as belezas da natureza. Dirigia-se ao trabalho num ato absolutamente mecânico, apenas como meio de subsistência. Nesse ambiente ignorava os problemas dos seus companheiros, ou melhor, nem percebia se eles existiam não demonstrando nenhum interesse em percebê-los.
A insensibilidade desse homem atingia o ponto de não sofrer absolutamente nada quando lhe comunicaram a morte da mãe. Compareceu ao velório onde não pronunciou palavra alguma. Da mesma forma continuava desprovido de sentimentos. Como atestado eloquente de tal atitude, foi assistir a um filme de comédia logo após o sepultamento de sua progenitora.
Continuando sua vida como se caminhasse sozinho sobre a face do planeta, acabou cometendo um crime onde tirou a vida de uma pessoa com a arma de fogo que transportava consigo sem nenhum motivo compreensível.
A indiferença que era uma constante em sua vida, não foi minimamente abalada pelo crime perpetrado. Porém, a sociedade respondeu com a aplicação de suas leis levando-o à prisão.
Decorrido o tempo da condução do processo judicial pelo assassinato, atingiu o dia do julgamento tendo ouvido a sentença pela palavra inflexível e dura do magistrado. Dura como fora toda a sua vida de indiferença para com a existência. Condenação à morte pela guilhotina! Teria ocorrido o abalo suficiente para que a sensibilidade acordasse naquela alma? Não teria desabado sobre aquela indiferença para com a vida e os seres nela mergulhados um chamamento gigantesco que despertasse as emoções até então não sentidas? Uma espécie de ruptura do eu para a percepção do outro? Do perceber que não estamos só e muito menos sozinhos caminhamos?
Se você está com a sensação de ter lido história semelhante, não está enganado.
Albert Camus relata em seu livro O Estrangeiro esse drama com muitos detalhes que, obviamente, não abordamos.
Será que não temos caminhado indiferentes para com os problemas alheios a exemplo desse personagem descrito?
Quantas dores não desfilam perante nossos olhos sem serem vistas?
Quanta fome não tem produzido a morte, induzido ao crime, ao desespero para com a própria vida aqueles que se sentem abandonados pela indiferença alheia?
Quantas vezes nosso lar não tem sido esquecido pela necessidade de correr atrás dos valores do mundo?
Quantos abraços não dados, quantas palavras de amor não pronunciadas, quantas visitas adiadas não desfilam diante de nossas escolhas para conquistas de valores que os ladrões roubam e as traças corroem?
Quantas despedidas não têm acontecido sem que aquele que parte tenha ouvido uma palavra de carinho?
Quantas vezes nossos filhos não têm sentido nossa ausência retidos que ficamos com compromissos do homem físico esquecendo-nos de nossa realidade e das razões pelas quais estamos mergulhados na vida física novamente?
Conhecemos o ensinamento de que a fé sem obras é morta. Mas você já pensou sobre a hipótese de que a dor sem obras também é morta? Vamos raciocinar sobre isso?
Por exemplo, quando em um sinaleiro da cidade nós vemos crianças esmolando para sustentar vícios dos pais, sentimos profundamente. Pelo menos creio que sim.
Entretanto, quando o sinal nos autoriza prosseguirmos com o carro, aquela visão e o consequente sentimento de tristeza momentaneamente despertado, se esvaem.
Quando assistimos em qualquer canal de televisão a notícia de um pai que molestou sexualmente a própria filha por anos seguidos dentro da própria casa, um sentimento de revolta contra o agressor e de piedade para com a vítima são inevitáveis.
Mas, quando o canal de televisão que anunciava a tragédia é desligado, tanto a revolta como a piedade desaparece.
Ou seja, nosso amor pelo semelhante ainda é tão frágil que parece desfazer-se no ar assim que uma situação de sofrimento se perde no passado, mesmo que num passado muito precoce de apenas alguns minutos depois.
Irmão José no livro Com Cinco Pães E Dois Peixes, psicografia de Baccelli, Editora DIDIER, tem uma página que vem se encaixar e muito bem nessa realidade.
Diz ela: Muitos se comovem diante da dor, mas nada fazem para amenizá-la.
Muitos lamentam a situação de penúria em que vive determinada pessoa, mas nada fazem para auxiliá-la.
Muitos se indignam com a injustiça que presenciam, mas nada fazem para combatê-la
Muitos se entristecem com a infância desvalida nas ruas, mas nada fazem para socorrê-la.
Muitos clamam contra a crescente onda de violência, mas nada fazem para erradicá-la.
O mundo em ruínas não está precisando de quem chore sobre os seus escombros, mas sim, de quem transpire na sua reconstrução.
Chico se comovia com a dor das pessoas que o procuravam, chorava com o desespero das mães que achavam que tinham perdido seus filhos, mas se doava totalmente nas longas horas de trabalho mediúnico trazendo notícias consoladoras aos corações mergulhados em dores atrozes.
O mesmo podemos dizer de Irmã Dulce que não ficou a observar os necessitados esquecidos pelas ruas, mas esmolando em todos os lugares por ela percorrido conseguiu levar o socorro a tantos deles.
Madre Teresa de Calcutá está inserida nesse mesmo procedimento de amor aos seus semelhantes. Quantas peregrinações e lutas pelo planeta!
Que se inclua exemplarmente a Divaldo Franco com a sua gigantesca obra da Mansão do Caminho sem mencionarmos sua tarefa mediúnica de grandeza ímpar e também as suas sacrificiais viagens a muitos países levando a mensagem consoladora do Espiritismo.
Como não nos lembrarmos de Albert Schweitzer e o seu grandioso trabalho no continente Africano em favor dos vitimados pela lepra renunciando aos seus recitais brilhantes como o maior intérprete de Bach a sua época?
Muitos outros vultos teriam para ser citados, mas deixamos a cargo da lembrança de cada leitor essa menção.
Não estaria a Humanidade necessitando de um despertar, de uma guilhotina que desse um stop na correria e indiferença do dia a dia dos homens atuais?
No livro de Albert Camus, a guilhotina significava para o personagem desse livro a morte, o fim das oportunidades não identificadas ou desprezadas.
Mas, e se interpretarmos a pandemia que assola o mundo através do corona vírus como uma guilhotina com a benfazeja lição para a nossa indiferença, ao nosso orgulho e ao nosso egoísmo retirando-nos desse existir incompatível com o amor ao próximo?
O vírus dessa pandemia não estaria sendo a guilhotina despertadora da grandeza das oportunidades que temos ao nosso alcance ao estarmos reencarnados na escola da Terra?
Ao lado daqueles que se valem da enfermidade para explorar, auferir lucros de forma desonesta, ocultos sob o manto da impunidade proporcionada pelas leis falíveis da justiça dos homens, eclodem almas que se derramam como bálsamo abençoado sobre o solo árido do sofrimento humano.
Alegra a alma aqueles que se unem para servir, para socorrer com cestas básicas, com material de higiene pessoal, com palavras de bom ânimo, com a simples presença nos locais onde a dor da morte causada pelo vírus se faz presente.
É a sinfonia da caridade, da fraternidade! É o amor que, mesmo utilizando de chinelos de veludo que não fazem ruídos, percorre os meandros do sofrimento alheio dando crédito ao maior de todos os mandamentos, enquanto tantos outros se utilizam dos ruidosos tamancos da maldade em plena pandemia!
E seria demais dizer que a batuta do maestro dessa orquestra voltada para o bem sob a regência de Jesus é exatamente essa enfermidade? Estaríamos irmanados, mesmo que temporariamente como estamos e podendo continuar dessa forma, sem essa doença?
Aprendemos com os Espíritos superiores que aquele que não aprende com o amor, será educado pela dor.
Não representaria o agente dessa pandemia – o vírus – a professora substituta do amor que é exatamente a dor, trazendo-nos as lições de que estamos precisando?
Os Espíritos da Codificação nos ensinam na questão de número 737 do Livro Dos Espíritos, que o objetivo de Deus com os flagelos destruidores é exatamente fazer a Humanidade avançar mais rápido.
Não desejamos todos mais rapidamente um planeta melhor, uma escola de regeneração onde o amor se faça mais presente e a dor mais distante? Pois então! Estamos tendo essa oportunidade, embora tantas dores crucifiquem os sentimentos daqueles que ficam sem o consolo proporcionado pelos ensinamentos da Doutrina Espírita.
Aos nossos olhos míopes da realidade espiritual, os pacientes que desencarnam nas Unidades de Terapia Intensiva distante da presença e do consolo de seus familiares, lembram palidamente a solidão de Jesus no alto do Gólgota. Porém, os Espíritos consoladores se fazem presentes nesse local de sofrimento atendendo à ordem da misericórdia Divina recolhendo os que partem para conduzi-los ao devido tratamento nos hospitais da espiritualidade.
A pandemia encontrará controle e cura? Sem dúvida! O progresso é uma Lei de Deus e a medicina da Terra está amparada pela do espaço. Não foi assim com tantas outras enfermidades que impuseram sofrimentos intensos para a Humanidade?
O importante dessa fase dolorosa que passamos é aprender as lições que nos são ofertadas para que não venhamos a conhecer outras professoras que nos façam andar mais depressa em direção do planeta de regeneração tão propalado e esperado por todos.
Não percamos a oportunidade de nos tornarmos alunos melhores da Lei de amor que preenche todo Universo.
Que não sejamos surdos ao chamado da fraternidade universal.
Que não sejamos cegos para com aquele que caminha conosco.
Que nossas mãos se entrelacem a outras mãos numa atitude de auxílio.
Que nossas palavras não se calem diante do necessitado de um momento de esperança.
Que saibamos entender a família universal da qual fazemos parte e que caminha pelas estradas do infinito em busca da perfeição, determinação Divina.
Dessa forma, novas guilhotinas não precisarão se abater sobre a nossa vaidade, o nosso orgulho e nosso egoísmo para vir nos ensinar que devemos amar ao próximo como a nós mesmos e a Deus sobre todas as coisas!
Não a guilhotina!
Sim ao Amor!
Sempre!

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